Depois do sucesso de High School Musical, houve algumas tentativas pelo Disney Channel de replicar a fórmula – primeiro com Descendentes, que trouxe novamente o diretor Kenny Ortega para fazer tudo que faz de melhor: coreografias memoráveis e romance de casais que nunca se beijam.
Depois de mais uma trilogia bem-sucedida, não tinha dúvidas que se precisava de um novo IP musical para atrair a juventude, e assim nasceu a saga Z-O-M-B-I-E-S (ou “Zombies“, para os menos íntimos), com filmes que, ao mesmo tempo, me frustram e me fascinam.
Esse ensaio conterá spoilers.
Muito já foi discutido sobre a analogia falha que a saga tenta trazer de que a repressão dos zumbis representa as dificuldades diárias de minorias raciais (em particular do público negro), ao chamar a cidade de “Seabrook”, sobrenome do autor de A Ilha da Magia, que primeiro introduziu a ideia de mortos-vivos trabalhando forçadamente nas plantações estadunidenses. E, de verdade, ensinar crianças sobre os males do preconceito é uma intenção nobre, mas cria uma mensagem confusa quando os zumbis da história representam um perigo real para os demais cidadãos de Seabrook – diversas vezes nos filmes vemos os zumbis perderem o controle e partirem para o ataque.

Mas, olhando a obra um pouco mais a fundo, há uma lição valiosa sobre storytelling escondida no meio de músicas questionáveis e muito verde e rosa (antes de Wicked tornar legal de novo): a trilogia Zombies contém uma estrutura de três atos perfeita. E não só isso, consegue plantar sementes já no primeiro filme que tem pay offs satisfatórios só no último filme, fazendo completo sentido.
Existem duas histórias principais que são exploradas ao longo dos filmes, que na verdade, são a mesma história: Addison e Zed, nossos protagonistas, buscam pertencimento.
No primeiro filme, Addison é a líder de torcida popular e vista como perfeita, e sente-se sufocada pelas expectativas da sociedade ao seu redor, além de não ver maneira de expressar o que a faz diferente por medo de rejeição. Já Zed, com sua chance de estudar juntamente de humanos, quer ser aceito, primeiro apesar de ser zumbi, e finalmente por ser zumbi.
O segundo filme traz um novo grupo a ser assimilado, os lobisomens, uma situação que traz nuances interessantes para ambos os personagens. Zed, que finalmente havia conquistado seu espaço em Seabrook, vê seus direitos sendo novamente revogados com a chegada da possível ameaça. Entretanto, ele percebe que os lobisomens são uma classe oprimida como ele, e o problema verdadeiro está na sociedade que não os dá uma chance.
Já Addison quer muito ser uma minoria. Tá… não é bem assim. Após assumir suas madeixas platinadas Targaryen (algo que ninguém mais em Seabrook tem), a garota percebe que não pertence 100% com os humanos dali, mas também não se encaixa necessariamente com os zumbis. Ela então busca refúgio com os lobisomens, com suas mechas platinadas, imaginando que haja uma conexão. Apesar de conseguir ajudá-los, não é ali que suas raízes se encontram. Ela continua na busca.
Antes de falar sobre o terceiro filme, é preciso apontar a convenção curiosa de nomeação de personagens que a saga adotou: todos os zumbis têm nomes com Z (Zed, Zoey, Zevon etc.), todos os lobisomens têm nomes com W, de werewolf (Willa, Wynter, Wanda etc.). E onde Addison se encaixa nisso?…

…sim, introduzem aliens para o último filme. Addison finalmente entende o porquê de se sentir tão deslocada, descobre o que a torna diferente, mas especial. E Zed tem finalmente a chance de compreender todo impacto positivo que ele trouxe para as comunidades de Seabrook, como seu relacionamento com Addison ajudou a quebrar barreiras, bem como sua luta para que os lobisomens (e posteriormente os aliens) fossem aceitos.
Explico tudo isso para mostrar que dá para se tirar lições importantes da estrutura de Zombies: uma temática central que se mantém ao longo da narrativa, mas aumenta em escala naturalmente de ato em ato. Além disso, como temas complexos como racismo podem ser apresentados com complexidade independente do público-alvo, basta ter tato na construção da narrativa.